O signo e a criança – parte I

No post anterior, falamos sobre o que é a semiótica e tivemos uma breve introdução sobre o signo sob duas vertentes: a saussuriana e a peirciana.

A principal diferença entre ambas é que a primeira se limita à linguística, enquanto a segunda abrange “como signo tudo quanto, à base de uma convenção social previamente aceita, possa ser entendido como ALGO QUE ESTÁ NO LUGAR DE OUTRA COISA.”. (ECO, 2009, p.11)

Mas é em Morris (apud Eco, 2009, p.11) que o signo se define melhor: “uma coisa é um signo somente por ser interpretada como signo de algo por algum intérprete (…)”.

Entendemos, por fim, que algo só pode ser entendido e aceito como signo se o mesmo for convencionalmente entendido e aceito como tal por determinado grupo.

A partir de agora, trarei mais da teoria de Rodari, traçando um paralelo com a semiótica.

No capítulo 3 de Gramática da Fantasia (1982, p.16), Rodari nos fala do “jogo do contador de histórias”:

“As crianças, uma de cada vez, sobem em uma mesa ou praticável improvisado como tribuna, e contam aos seus colegas sentados lado a lado no chão, uma história de sua própria autoria (…).” (RODARI, 1982, p.16)

Para tornar a brincadeira mais divertida, a professora (orientada por Rodari) sugere uma palavra a um aluno. No caso transcrito no cap. 3, a palavra escolhida foi “Olá”. Segue a história inventada:

“Um garotinho tinha perdido todas as palavras boas e ficou apenas com as palavras feias: caca, meleca, interesseiro etc.

Então sua mãe levou-o a um médico, que tinha um bigode desse tamanhão e o médico disse: – Abra a boca, ponha a língua para fora, para cima, para dentro, sopre as bochechas.

O médico disse para ele sair procurando uma palavra boa. Primeiro ele encontrou uma palavra desse tamanho (o menino indica um comprimento de mais ou menos vinte cm) que era “ufa!”, mas que era muito feia. Depois ele encontrou uma comprida assim (cerca de cinquenta cm) que era “acomodados”, que também era feia. Depois encontrou uma palavra pequenininha e cor-de-rosa, que era “olá”. Pôs no bolso, levou para casa, aprendeu a dizer palavras gentis e ficou bom.” (RODARI, 1982, p. 16-17)

Houve duas interrupções durante a contação, por parte dos outros alunos, as quais Rodari discorre após o texto, sendo que ambas as interrupções motivaram as crianças a criarem juntas, até auxiliando o menino na criação da história.

Mas vamos nos ater aqui ao signo |olá|, e às interpretações geradas por ele:

“Na verdade, ela [a história] não se baseia na palavra “olá”, isto é, em seu som ou em seu significado. O menino que fez as vezes de narrador pegou como tema a expressão “a palavra olá” em seu todo.” (RODARI, 1982, p.17-18)

Os professores esperaram uma interpretação do aluno limitada à linguística, no caso, o signo do ponto de vista de Saussure, como sendo estritamente o que significa, no caso, uma saudação.

Mas o aluno foi além, e arrisco dizer que interpretou o signo numa vertente peirciana, abrangendo um contexto muito maior que uma simples saudação, criando uma classe de palavras.

Rodari analisa o pensamento do menino:

“O menino definiu como ‘feias’ as palavras que em casa lhe ensinaram a considerar inconvenientes (…). As palavras ‘feias’ que a criança encontra – ‘ufa’, ‘interesseiro’ – não são ‘feias’ em relação a um modelo repressivo: são, ao contrário, as palavras que afastam e que ofendem as pessoas (…). Elas são o oposto não mais das palavras abstratamente ‘boas’, mas das palavras ‘justas e gentis’. (RODARI, 1982, p. 18-19)

Ao observar seus familiares se comunicarem, ela [a criança] assimila signos que fazem parte dos códigos utilizados por eles [familiares], os quais são usados em situações bem diferentes do universo infantil. Logo, não é raro se deparar com novos usos de um signo pela criança, cuja imprevisibilidade e aparente ilógica podem chocar, já que os ambientes nos quais esses personagens atuam são absolutamente distintos e, não raramente, desconhecidos por completo da criança.

E é justamente essa “criatividade sem limites” de desconstrução e reconstrução que Rodari nos mostra em seu livro, Gramática da Fantasia. Através de vários exercícios criativos ele comprova a capacidade inventiva – coletiva e individual – das crianças.

Os adultos já são “viciados” em interpretações e significações, dificilmente se desprendendo dos conceitos há tanto tempo sabidos como de determinada forma, e é aí que a criança atua, sem amarras, recriando o mundo conforme sua vontade.

Referências Bibliográficas

ECO, Umberto, 1932. Tratado geral de semiótica / Umberto Eco [tradução de Antonio de Pádua Danesi e Gilson Cesar Cardoso de Souza]. – São Paulo: Perspectiva, 2009 – (Estudos ; 73 / dirigida por J. Guinsburg)

RODARI, Gianni. Gramática da fantasia / Gianni Rodari [tradução de Antonio Negrini; direção da coleção de Fanny Abramovich]. – São Paulo: Summus, 1982 – (Novas buscas em comunicação ; v. 11)  1920

Sobre Yuri Amaral

sou formado em publicidade e propaganda e atualmente curso o programa de pós graduação em estudos interdisciplinares da unila. ainda na época da faculdade empreendi alguns projetos, como uma revista, um fanzine e um evento de cultura pop japonesa. atualmente, dou aulas no curso de comunicação social de um centro universitário local, em foz do iguaçu, pr.
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